sexta-feira, junho 02, 2006

Song # 54 - Tiago Sousa/Merzbau


Como prometido, aqui fica a entrevista que a minha guitarra azul fez a Tiago Sousa, o responsável pela netlabel Merzbau. See Ya.
1 – Dizes no teu manifesto que a Merzbau surgiu como um espaço de divulgação e consumo livre de música. Sentes que com a tua netlabel o conceito de “música livre” é realmente levado à letra?

Tento que a Merzbau seja sinónimo de música livre. Livre de preconceitos, livre de lógicas comerciais, livre das amarras que a indústria portuguesa tem cimentado e que são extremamente castrantes para os músicos. A netlabel leva esse conceito ao seu sentido mais directo “libertando” os mp3, distribuindo-os de forma gratuita, convidando cada pessoa a partilha-los com os amigos, na Internet e a exibi-los publicamente conferindo-lhes esse sentido de música livre.

2 – Na Merzbau a música é entendida como um bem cultural – antes mesmo de um bem de consumo – que é pertença de todos, daí que todos quanto o queiram podem usufruir gratuitamente dele. Sentes que, desta maneira, a música pode chegar a muitas mais pessoas e ser ao mesmo tempo devidamente valorizada?

Parece-me que nos últimos tempos e cada vez mais com a imposição de uma lógica capitalista na nossa sociedade o papel conferido à música tem sido cada vez mais o de mais um objecto gerador de capital e riqueza sendo que o seu valor intelectual e cultural é passado para segundo plano. Exemplo disso é a atitude que a Associação Fonográfica Portuguesa tem tomado ao dizer coisas como “se não comprarem cds a música portuguesa irá acabar”, não passa de uma mentira descarada. A música é uma arte, e a arte existe na humanidade desde que subimos um estágio na nossa evolução e as nossas preocupações começaram a ir um pouco mais além da alimentação e da reprodução. O ser humano não consegue equacionar a sua existência sem um espaço para a sua expressão e é isto que tento valorizar com a Merzbau. Em vez de seguir uma lógica mercantil, partir do princípio que a arte é pertença de cada artista e de todos nós. Devemos claro valorizar cada vez mais o trabalho dos artistas e o tempo que dispensam na produção dos seus artefactos mas acho que existem formas diferentes de tornar esse tempo viável e os investimentos compensadores. A lógica é a de que a arte vive em cada um de nós e não pode ser tratada como um automóvel ou um relógio de ouro.

3 – Ainda no manifesto dizes que o vosso objectivo é unicamente dar a conhecer a música em que acreditam e com isso poder fazer a diferença. Estás a consegui-lo em Portugal? Achas que realmente as pessoas notam a diferença?

Aí entram dois lados meus que estão em constante conflito, de um lado o sonhador do outro o niilista. O sonhador diz que devemos acreditar em nós próprios e com trabalho e preserverancia tudo está ao nosso alcance, o niilista acha que neste país tudo o que vá além do futebol tem pouca importância e que a grande maioria das pessoas se está literalmente a cagar para música feita por pessoas e não se importa de ouvir mil xs o mesmo single sem ter que se chatear a pensar em significados ou valores emocionais. No meio disto tudo surge um equilíbrio que me vai levando a continuar. Penso que o nosso trabalho terá de ser cada vez mais levado além fronteiras e acho que temos um espaço a ocupar num certo circuito cultural europeu que se está a solidificar nas profundezas do underground e que aos poucos começa a despoletar. Veremos o que o futuro nos reserva.

4 – Em Portugal existem, pelo menos, 4 netlabel’s (suponho que haja mais) e a fonoteca (juntamente com a Merzbau) vai dedicar-vos um fim-de-semana, em que cada editora leva uma banda do seu catálogo para tocar ao vivo, uma ideia bem interessante, aliás.
Achas que este tipo de eventos potencia a vossa acção? É que as netlabel’s são cada vez menos underground na visibilidade, apesar de se regerem por uma atitude de periferia face aos valores “normais” da indústria musical.
Acho que é essencial que as netlabel’s se mantenham unidas. Quando iniciei a merzbau e comecei a contactar com as netlabel’s que na altura já existiam (a yansr, a test tube, a mimi, a enough) fui extremamente bem recebido e muito incentivado. É um valor que devemos todos preservar para nos ajudar a crescer em conjunto. Este encontro foi mais uma forma de tentar fortalecer essa união, mostrando ao público o trabalho que temos desenvolvido e divulgando ainda mais o fenómeno das netlabels. Continua a existir muita gente que desconhece esta forma de estar e espero que este evento nos ajude a chegar a mais gente.

5 – Tens muitas bandas a quererem “assinar” pela Merzbau? Surpreende-te o facto de tanta banda escondida por não ter uma oportunidade, apareça agora com uma urgência renovada pelo facto de a Merzbau e outras netlabel’s existirem (apesar de nunca, como até hoje, ter sido tão fácil ter música disponível para todo o mundo, basta atentar no exemplo do myspace) e assim puderem editar os seus trabalhos?

O interesse é moderado, normalmente a malta não tem muito aquela atitude de se chegar à frente com as edições. Sou mais eu que incentivo as bandas a lançarem qualquer coisa. O caso que referes do myspace, faz um certo sentido pensando que é um modo equivalente de uma banda fazer chegar a sua música ao público. Penso que a vantagem de te quereres associar a uma netlabel é a identidade de cada netlabel. O facto de tratarmos as edições como se de cd’s se tratassem para além de reunirmos ali várias edições no mesmo sítio. É um convite à cooperação e à união. Desde sempre que tive a crença de que a união seria a chave para a sobrevivência da música independente. Dou um exemplo muito concreto, os Lobster vão actuar com os Deerhoof, um evento que lhes vai possibilitar chegar a mais pessoas o que por arrasto pode trazer mais pessoas a chegarem ao contacto da merzbau e bandas já editadas. Acho que a urgência de mostrar o trabalho é algo inerente aos tempos que vivemos. É tudo para ontem……

6 – Como fazes a selecção das bandas que editas? Tens algum critério pessoal, editorial ou editas tudo o que te aparece?

Tenho um critério claro, acho que tento defender um critério de qualidade que passa essencialmente por tentar descortinar a genuinidade nos princípios de cada artista. Interessa-me editar artistas que fazem música por gosto verdadeiro e não como uma forma de exacerbar os seus egos. Paralelamente a este critério está o meu gosto pessoal. Se eu encontrar algum ponto de interesse ou potencial nas bandas e artistas edito. Como sou uma pessoa com gostos bastante ecléticos, acho que isso se tem vindo a reflectir igualmente no catálogo já editado, tento não prender a merzbau a nenhum género específico.

7 – Sinceramente, achas que alguma “major” está atenta ao que a Merzbau edita?

Muito sinceramente? Acho que não… Se calhar estou enganado, mas a ideia que tenho relativamente às majors portuguesas é de que vivem fechadas num aquário. As coisas só lhes chegam ao nariz quando já são muito evidentes.
8 – Penso que todas as bandas editadas estão licenciadas, não é assim? O que são as “common licences”, podes explicar?

Bem os common licences são na prática formas simplificadas de fazerem valer os direitos de autor. Confesso que não sou um especialista em direitos de autor, mas de uma forma simplificada o direito de autor acede-te a partir do momento em que crias uma obra. Existem instituições como a SPA que faz valer esses direitos e se encarrega de fazer a gestão desses direitos. Os creative commons são uma forma alternativa de proteger esse direito de uma forma simplificada e global. Aconselha-se uma visita ao site http://creativecommons.org/

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