No passado dia 10 de Novembro realizou-se na Fonoteca Municipal de Lisboa uma conferência sobre música portuguesa justamente intitulada “Portugal – Um Retrato Musical”, versando sobre as áreas pop, rock e experimental. O objectivo da conferência era “proceder a uma reflexão o mais abrangente possível, sabendo de antemão que nunca se chegará a conclusões totais ou definitivas… O panorama musical, as quotas da música portuguesa, o espaço nos media, as relações com o Estado, a internacionalização e essencialmente a música que se faz em Portugal…” estiveram em destaque nesta conferência inserida na programação do “Número Festival – Festival Internacional de Multimédia, Filme e Música de Lisboa”.
A conferência, moderada por Dinis Guarda, director do “Número” contou com as presenças do radialista Henrique Amaro, Rui Eduardo Paes, director da associação Granular e José Marmeleira, apresentado como ilustre descobridor de projectos musicais de vanguarda em Portugal. Faltaram à chamada os representantes das editoras independentes portuguesas e do Estado Português, respectivamente.
Com estas notadas falhas, logo cedo se verificou que a conferência iria perder metade do seu interesse. Como é possível que num debate desta natureza, nem as editoras independentes nem o Estado estejam representados, apesar de terem sido convidados? Duas instituições que se querem a interagir, pura e simplesmente andam de costas voltadas?
“Portugal – Um Retrato Musical” começou com uma ideia que há muito existe no nosso país, não só em relação à música como a outras áreas: existe critica a mais e reflexão a menos. Ao que parece a produção é boa (e muita) mas a divulgação é pouca, não existindo, para isso, um sistema montado que faça face a tal problema.
José Marmeleira, o primeiro interveniente, fez uma apreciação global daquilo que foram os anos 80 no nosso país, salientando as diferenças culturais que na altura não eram muito bem vistas pela sociedade e também para um aspecto que se foi perdendo, a chamada “portugalidade”, ou seja, uma abordagem muito específica e muito “nossa” em relação à música que se fazia. Pop Dell’Arte e Mler Ife Dada foram exemplos apontados. Não só a música apontava para essa “portugalidade”, como também o visual das bandas contribuía para o conceito.
Com o aparecimento dos 90’s, continua José Marmeleira, passou a haver uma categorização de estilos (aparecimento do rap e hip-hop) e o amadurismo deu lugar ao profissionalismo, sendo as bandas portuguesas equiparadas sonoramente a bandas internacionais (Blind Zero vs Pearl Jam, lembram-se?).
Nesta altura, diz José Marmeleira, a música portuguesa deixa de passar na TV e na rádio, sendo o cantar em português substituído pelo hip-hop, que passa a ter muito mais impacto nas gerações mais novas.
José Marmeleira diz também que, com a chegada dos 00’s, houve coisas que se perderam e outras que se ganharam, como é o caso da Internet e das inúmeras possibilidades que esta oferece na divulgação de novos projectos musicais, muito particularmente graças à criação e proliferação de várias NetLabel’s (editoras alternativas que editam e divulgam novas bandas). A edição de CDR’S também constitui uma das estratégias alternativas a ter em conta nesta primeira metade dos anos 00.
Ainda segundo José Marmeleira, assiste-se hoje a um ajuste de contas com a música do passado (anos 70, principalmente). Casos de tributo a Carlos Paredes ou a António Variações são disso bom exemplo.
Henrique Amaro tomou da palavra alertando uma Fonoteca cheia de interessados nestas matérias para o facto de se ter que começar a pensar na música portuguesa sob o ponto de vista organizativo, não se tornando necessário o exercício da exportação se não houver uma eficiente organização interna. A música portuguesa tem que fazer parte do quotidiano das pessoas, disse o radialista.
Outra ideia que Amaro quis deixar expressa foi a de que os grupos portugueses não podem andar de costas voltadas uns para os outros, sendo necessário o trabalho em grupo para uma boa afirmação da nova música portuguesa. Neste particular foram apontados como exemplo os Loosers e Fish & Sheep, dois novos e emergentes projectos de rock alternativo português que editaram os seus trabalhos em CDR e que gravitam à volta da galeria Zé dos Bois, espaço lisboeta de referência no que toca a novas músicas portuguesas e internacionais.
Outra ideia deixada por Henrique Amaro diz respeito à intervenção do Estado nestas matérias. Diz o radialista que o Estado deve ter um papel preponderante em relação à música portuguesa, mas não na perspectiva do subsídio/compromisso, já que isso não resolve o problema. Para o radialista, o Estado Português deve ter um papel determinante em relação à música portuguesa, desde logo com a criação de um arquivo nacional de som, que colmate o défice bibliográfico e discográfico existente em relação à nossa música e com a criação de salas multiusos para espectáculos ou com o reaproveitamento das salas existentes, nomeadamente aquelas pertencentes ao Instituto Português da Juventude. Neste particular o Estado devia subsidiar as pequenas editoras portuguesas com vista à criação e divulgação de novas bandas nacionais. Veja-se, a título de exemplo, os casos da Bor Land ou Loop Recordings, que com parcos meios têm obtido algum sucesso por estas e outras bandas.
Rui Eduardo Paes, da associação Granular foi o orador seguinte, alertando desde logo para a falta de confiança existente entre o público português e os seus artistas. Este especialista em música experimental deu como exemplo o recente espectáculo de John Zorn na Casa da Música. O que as cerca de 1000 pessoas viram no espectáculo “Cobra” foi 12 músicos portugueses, entre eles Nuno rebelo e Carlos Bica, a interpretarem John Zorn. Segundo Paes, se as pessoas soubessem que iriam ver músicos portugueses não encheriam metade da sala.
Esta falta de confiança nos músicos portugueses é contrariada lá fora, onde a música experimental portuguesa é vista com muitos bons olhos, como uma cena sólida e original.
Para Rui Eduardo Paes, o que se passa em Portugal é uma “cena sem cenário”, ou seja, os projectos existem, criam, mas não são vistos com prestígio dentro de portas, a par com a falta de espaços para tocar e assim divulgarem a música que fazem.
Outro ponto em destaque apontado por Paes diz respeito ao bloqueio feito à música experimental portuguesa por parte dos media, sendo este tipo musical muitas vezes visto como elitista e direccionado para nichos de mercado. Para Eduardo Paes esta ideia não faz muito sentido, ou pelo menos não deveria fazer. “ O imperialismo e a homogeneização de gostos” condicionam, claro está, a venda de música em Portugal. Para Paes é imperial que haja coexistência entre arte e cultura, já que “numa sociedade plural tem que haver coexistência na oferta”.
Outra ideia avançada por este dirigente associativo tem a ver com os media que, segundo Paes, devem mostrar um pouco de tudo o que se passa na música portuguesa e não só o que vende ou que sirva os interesses dos diversos meios de comunicação.
Para terminar Eduardo Paes fez uma pequena análise acerca da importância da música experimental na pop de 80’s, deixando uma questão no ar: Porquê a música pop nos anos 80 podia ser experimental e hoje não?
Foram estas então as ideias apontadas nesta conferência antes da secção de perguntas da parte do público a que, infelizmente e por outros compromissos já anteriormente assumidos, não assisti.
De qualquer modo e de acordo com o relatado nas linhas acima, não houve quase nada de novo a apontar em relação à música portuguesa. Portugal continua a ter um retrato musical formatado, onde quem mais vende tem apoios para vender mais (não deveria ser ao contrário?), as quotas de música portuguesa para as rádios continuam a não ser cumpridas (salvo algumas excepções, claro), o espaço nos media para as músicas de carácter mais experimental continua a ser nulo (não será a música portuguesa um todo? não terão todos direito a uma divulgação igual?), as relações com o Estado continuam a não existir (note-se que nem sequer comparecem a estes eventos), assim como uma eficaz internacionalização (veja-se que quem consegue tocar lá fora são projectos considerados alternativos cá dentro. The Legendary Tiger Man à cabeça).
E o tratamento dado à música portuguesa, não deveria ser igual ao que é dado às outras formas de arte, a começar, desde logo, pelo IVA? Música é cultura ou não? Pelos vistos, não. É pena.
Enfim, muito há ainda a resolver nesta matéria. Talvez quando todos perceberem que a música é realmente universal, se possam começar a deitar abaixo as barreiras existentes.
A conferência, moderada por Dinis Guarda, director do “Número” contou com as presenças do radialista Henrique Amaro, Rui Eduardo Paes, director da associação Granular e José Marmeleira, apresentado como ilustre descobridor de projectos musicais de vanguarda em Portugal. Faltaram à chamada os representantes das editoras independentes portuguesas e do Estado Português, respectivamente.
Com estas notadas falhas, logo cedo se verificou que a conferência iria perder metade do seu interesse. Como é possível que num debate desta natureza, nem as editoras independentes nem o Estado estejam representados, apesar de terem sido convidados? Duas instituições que se querem a interagir, pura e simplesmente andam de costas voltadas?
“Portugal – Um Retrato Musical” começou com uma ideia que há muito existe no nosso país, não só em relação à música como a outras áreas: existe critica a mais e reflexão a menos. Ao que parece a produção é boa (e muita) mas a divulgação é pouca, não existindo, para isso, um sistema montado que faça face a tal problema.
José Marmeleira, o primeiro interveniente, fez uma apreciação global daquilo que foram os anos 80 no nosso país, salientando as diferenças culturais que na altura não eram muito bem vistas pela sociedade e também para um aspecto que se foi perdendo, a chamada “portugalidade”, ou seja, uma abordagem muito específica e muito “nossa” em relação à música que se fazia. Pop Dell’Arte e Mler Ife Dada foram exemplos apontados. Não só a música apontava para essa “portugalidade”, como também o visual das bandas contribuía para o conceito.
Com o aparecimento dos 90’s, continua José Marmeleira, passou a haver uma categorização de estilos (aparecimento do rap e hip-hop) e o amadurismo deu lugar ao profissionalismo, sendo as bandas portuguesas equiparadas sonoramente a bandas internacionais (Blind Zero vs Pearl Jam, lembram-se?).
Nesta altura, diz José Marmeleira, a música portuguesa deixa de passar na TV e na rádio, sendo o cantar em português substituído pelo hip-hop, que passa a ter muito mais impacto nas gerações mais novas.
José Marmeleira diz também que, com a chegada dos 00’s, houve coisas que se perderam e outras que se ganharam, como é o caso da Internet e das inúmeras possibilidades que esta oferece na divulgação de novos projectos musicais, muito particularmente graças à criação e proliferação de várias NetLabel’s (editoras alternativas que editam e divulgam novas bandas). A edição de CDR’S também constitui uma das estratégias alternativas a ter em conta nesta primeira metade dos anos 00.
Ainda segundo José Marmeleira, assiste-se hoje a um ajuste de contas com a música do passado (anos 70, principalmente). Casos de tributo a Carlos Paredes ou a António Variações são disso bom exemplo.
Henrique Amaro tomou da palavra alertando uma Fonoteca cheia de interessados nestas matérias para o facto de se ter que começar a pensar na música portuguesa sob o ponto de vista organizativo, não se tornando necessário o exercício da exportação se não houver uma eficiente organização interna. A música portuguesa tem que fazer parte do quotidiano das pessoas, disse o radialista.
Outra ideia que Amaro quis deixar expressa foi a de que os grupos portugueses não podem andar de costas voltadas uns para os outros, sendo necessário o trabalho em grupo para uma boa afirmação da nova música portuguesa. Neste particular foram apontados como exemplo os Loosers e Fish & Sheep, dois novos e emergentes projectos de rock alternativo português que editaram os seus trabalhos em CDR e que gravitam à volta da galeria Zé dos Bois, espaço lisboeta de referência no que toca a novas músicas portuguesas e internacionais.
Outra ideia deixada por Henrique Amaro diz respeito à intervenção do Estado nestas matérias. Diz o radialista que o Estado deve ter um papel preponderante em relação à música portuguesa, mas não na perspectiva do subsídio/compromisso, já que isso não resolve o problema. Para o radialista, o Estado Português deve ter um papel determinante em relação à música portuguesa, desde logo com a criação de um arquivo nacional de som, que colmate o défice bibliográfico e discográfico existente em relação à nossa música e com a criação de salas multiusos para espectáculos ou com o reaproveitamento das salas existentes, nomeadamente aquelas pertencentes ao Instituto Português da Juventude. Neste particular o Estado devia subsidiar as pequenas editoras portuguesas com vista à criação e divulgação de novas bandas nacionais. Veja-se, a título de exemplo, os casos da Bor Land ou Loop Recordings, que com parcos meios têm obtido algum sucesso por estas e outras bandas.
Rui Eduardo Paes, da associação Granular foi o orador seguinte, alertando desde logo para a falta de confiança existente entre o público português e os seus artistas. Este especialista em música experimental deu como exemplo o recente espectáculo de John Zorn na Casa da Música. O que as cerca de 1000 pessoas viram no espectáculo “Cobra” foi 12 músicos portugueses, entre eles Nuno rebelo e Carlos Bica, a interpretarem John Zorn. Segundo Paes, se as pessoas soubessem que iriam ver músicos portugueses não encheriam metade da sala.
Esta falta de confiança nos músicos portugueses é contrariada lá fora, onde a música experimental portuguesa é vista com muitos bons olhos, como uma cena sólida e original.
Para Rui Eduardo Paes, o que se passa em Portugal é uma “cena sem cenário”, ou seja, os projectos existem, criam, mas não são vistos com prestígio dentro de portas, a par com a falta de espaços para tocar e assim divulgarem a música que fazem.
Outro ponto em destaque apontado por Paes diz respeito ao bloqueio feito à música experimental portuguesa por parte dos media, sendo este tipo musical muitas vezes visto como elitista e direccionado para nichos de mercado. Para Eduardo Paes esta ideia não faz muito sentido, ou pelo menos não deveria fazer. “ O imperialismo e a homogeneização de gostos” condicionam, claro está, a venda de música em Portugal. Para Paes é imperial que haja coexistência entre arte e cultura, já que “numa sociedade plural tem que haver coexistência na oferta”.
Outra ideia avançada por este dirigente associativo tem a ver com os media que, segundo Paes, devem mostrar um pouco de tudo o que se passa na música portuguesa e não só o que vende ou que sirva os interesses dos diversos meios de comunicação.
Para terminar Eduardo Paes fez uma pequena análise acerca da importância da música experimental na pop de 80’s, deixando uma questão no ar: Porquê a música pop nos anos 80 podia ser experimental e hoje não?
Foram estas então as ideias apontadas nesta conferência antes da secção de perguntas da parte do público a que, infelizmente e por outros compromissos já anteriormente assumidos, não assisti.
De qualquer modo e de acordo com o relatado nas linhas acima, não houve quase nada de novo a apontar em relação à música portuguesa. Portugal continua a ter um retrato musical formatado, onde quem mais vende tem apoios para vender mais (não deveria ser ao contrário?), as quotas de música portuguesa para as rádios continuam a não ser cumpridas (salvo algumas excepções, claro), o espaço nos media para as músicas de carácter mais experimental continua a ser nulo (não será a música portuguesa um todo? não terão todos direito a uma divulgação igual?), as relações com o Estado continuam a não existir (note-se que nem sequer comparecem a estes eventos), assim como uma eficaz internacionalização (veja-se que quem consegue tocar lá fora são projectos considerados alternativos cá dentro. The Legendary Tiger Man à cabeça).
E o tratamento dado à música portuguesa, não deveria ser igual ao que é dado às outras formas de arte, a começar, desde logo, pelo IVA? Música é cultura ou não? Pelos vistos, não. É pena.
Enfim, muito há ainda a resolver nesta matéria. Talvez quando todos perceberem que a música é realmente universal, se possam começar a deitar abaixo as barreiras existentes.
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