“Retrato da Centopeia / W.S. Burroughs”, de Al Berto por Out Level com Diego The Cloudmaker
(poema em 7 partes com música a fundo)
1 – Poeira de vidro cobre-lhe a cabeça. O Puto-Centopeia larga um rasto de palavras sorvadas nas pálpebras do ano 70.
O tinteiro das alucinações abre-se, entorna-se, e um abutre esvoaça por cima do papel. A noite refaz-se a partir da palavra noite. E a cidade afunda-se numa canção repetida em surdina.
O Puto-Centopeia escancara a boca, o ar estilhaça. A mão põe-se a esgaravatar no pulmão da escrita.
O Puto, o Puto-Aranha, desce do tecto, Respira na teia dos dedos. Espalha-se pelo quarto o fumo enjoativo do ópio.
A parede oscila. Brilham os néons das cidades contaminadas.
2 – Seis da manhã. Luz suja, morta. Chuva ácida. Restos de jornais molhados. Descobriram uma criança morta num caixote de lixo.
Bill toca-lhe o ventre. A criança ressuscita.
Madrugada peganhenta flutuando no vento das lixeiras.
O tempo afunda-se numa ilha de cinza. Caminhamos.
Em cima da mesa de cabeceira o ar vibra, torna-se sólido. Estendo a mão, agarro a cabeça transparente de Bill. Guardo-a na ferida sanguinolenta do peito.
O Puto-Centopeia sorri em forma de coração.
3 – Cabine telefónica estanque. Um corpo oscila no clorofórmio. A dor esvai-se, dedos marcam números.
Onde viverá o ultimo desejo?
Contra o vidro da cabeça ecoa um grito.
Bill-Língua-Morta rasteja com o sexo nas fissuras do asfalto.
4 – Revólver. Dedo. Olho. Bala. Crânio luminoso que ascende.
Exterminar torna-se cansativo, dizes.
De pé, junto ao lavatório dum filme de série B, esmagas a beata no sabonete.
Sono: sémen escorrendo de um para o outro. Mão aberta. A centopeia do ombro move-se em direcção à veia. Garrote improvisado, cem patas de veneno letal.
O Puto-Seringa ri convulsivamente.
5 – Silhuetas atravessam o deserto. Multiplicam-se à roda das fogueiras. Na fricção dos sexos reproduzem-se.
Da penumbra dos corpos emaranhados ergue-se o Puto-Chacal. Ordena: demolir as ruas numeradas, as avenidas que terminam nos cemitérios de lata. Violar os chuis que arreganhem o dente. Devastar.
6 – Estrela morta nas têmporas.
Destruídas as engrenagens de abastecimento à cidade os putos selvagens regressam à mente. Mortos – mortos sem duvida por não existirem ainda.
Ilumina-se a cabeça do fantasma de Bill. Ouve-se a voz gravada dos poucos sobreviventes.
Corri para fora do ano 70. Nenhum amanhã nem mesmo o suicídio.
7 – O Puto-Centopeia envelheceu. Vive hoje retirado na Grande Casa do Cogumelo. À beira da lucidez eterna.
É tempo de recomeçarmos a jogar nos mil e um flippers deste fim de século.
(poema em 7 partes com música a fundo)
1 – Poeira de vidro cobre-lhe a cabeça. O Puto-Centopeia larga um rasto de palavras sorvadas nas pálpebras do ano 70.
O tinteiro das alucinações abre-se, entorna-se, e um abutre esvoaça por cima do papel. A noite refaz-se a partir da palavra noite. E a cidade afunda-se numa canção repetida em surdina.
O Puto-Centopeia escancara a boca, o ar estilhaça. A mão põe-se a esgaravatar no pulmão da escrita.
O Puto, o Puto-Aranha, desce do tecto, Respira na teia dos dedos. Espalha-se pelo quarto o fumo enjoativo do ópio.
A parede oscila. Brilham os néons das cidades contaminadas.
2 – Seis da manhã. Luz suja, morta. Chuva ácida. Restos de jornais molhados. Descobriram uma criança morta num caixote de lixo.
Bill toca-lhe o ventre. A criança ressuscita.
Madrugada peganhenta flutuando no vento das lixeiras.
O tempo afunda-se numa ilha de cinza. Caminhamos.
Em cima da mesa de cabeceira o ar vibra, torna-se sólido. Estendo a mão, agarro a cabeça transparente de Bill. Guardo-a na ferida sanguinolenta do peito.
O Puto-Centopeia sorri em forma de coração.
3 – Cabine telefónica estanque. Um corpo oscila no clorofórmio. A dor esvai-se, dedos marcam números.
Onde viverá o ultimo desejo?
Contra o vidro da cabeça ecoa um grito.
Bill-Língua-Morta rasteja com o sexo nas fissuras do asfalto.
4 – Revólver. Dedo. Olho. Bala. Crânio luminoso que ascende.
Exterminar torna-se cansativo, dizes.
De pé, junto ao lavatório dum filme de série B, esmagas a beata no sabonete.
Sono: sémen escorrendo de um para o outro. Mão aberta. A centopeia do ombro move-se em direcção à veia. Garrote improvisado, cem patas de veneno letal.
O Puto-Seringa ri convulsivamente.
5 – Silhuetas atravessam o deserto. Multiplicam-se à roda das fogueiras. Na fricção dos sexos reproduzem-se.
Da penumbra dos corpos emaranhados ergue-se o Puto-Chacal. Ordena: demolir as ruas numeradas, as avenidas que terminam nos cemitérios de lata. Violar os chuis que arreganhem o dente. Devastar.
6 – Estrela morta nas têmporas.
Destruídas as engrenagens de abastecimento à cidade os putos selvagens regressam à mente. Mortos – mortos sem duvida por não existirem ainda.
Ilumina-se a cabeça do fantasma de Bill. Ouve-se a voz gravada dos poucos sobreviventes.
Corri para fora do ano 70. Nenhum amanhã nem mesmo o suicídio.
7 – O Puto-Centopeia envelheceu. Vive hoje retirado na Grande Casa do Cogumelo. À beira da lucidez eterna.
É tempo de recomeçarmos a jogar nos mil e um flippers deste fim de século.
[poema musicado ao vivo a 26/11/2005 no Espinhal Mouro Bar, Lagares, Oliveira do Hospital]
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